Apresentação
Kleber Frizzera

Pequena história do Tempo de Crítica
William Golino

Crítica dos artistas
Attílio Colnago
Augusto Alvarenga
Bernadette Rubim
Eduardo Cozendey
Emílio Aceti
Irineu Ribeiro
José Cirillo
Joyce Brandão
Júlio Tigre
Lincoln G. Dias
Norton Dantas
Orlando Rosa Farya

 



O ENCANTADO

Falar sobre meu trabalho não tem como ser uma tarefa sintética. Sou mais uma das crias do Centro de Artes, de um período no qual o aprendizado do desenho era o elemento fundamental em nossa formação, sendo dirigido por professores que vinham de uma formação que passava por um caminho bem definido, advindos de uma escola desenvolvida por Guignard, que nos levava a uma procura incansável por um desenho limpo, uma linha pura, conferida pela utilização obstinada de grafites sempre duros.

Aprofundo-me depois nesta área nos vários Festivais de Inverno oferecidos pela UFMG, o que me leva também ao encontro de uma atmosfera totalmente barroca, que toma conta de mim por completo, e vai influenciar todo o meu trabalho, com suas sombras, seus excessos e todo o sofrimento contido em suas paixões.

Tudo isto vai aos poucos se mesclando com minha origem em uma família italiana, e que me faz por todo este tempo procurar um elo perdido neste vôo sobre o Atlântico.

Para tanto recorro apaixonado a artistas que podem dar guarida e um pouco de alento ao meu olhar/coração renascente.

No início de qualquer série preciso sempre rever Carlo Crivelli (1430-1495) e me deleitar com seu desenho suntuoso, seu tratamento refinado dos diversos materiais, e como sempre, me envolver com tantos personagens e tecidos brocados, construindo composições que já em seu tempo eram consideradas um excesso, mas tratados com uma técnica precisa ao construir imagens congeladas, envoltas em numa enorme quantidade de elementos altamente sofisticados, a produzir no observador surpresas visuais e táteis.

Volto sempre também a procurar caminhos nas obras de Andréa Mantegna (1431-1506) e sempre me apaixonando pela simples enquadratura de seu espaço, pelo seu realismo dominado por um sentimento poético. Sua busca quase arqueológica por elementos do passado, para inseri-los em suas obras, sempre concebidas com uma clara noção do espetáculo, em pequena ou grande escala, deixando sempre transparecer o sentido trágico da história e do destino do homem.

Enfim... acho que o que eu gostaria mesmo era de ter participado do atelier de Guirlandaio (1449-1494) e ter apreendido sua competência técnica, tanto no desenho quanto na pintura; a sua delicadeza em trabalhar figuras e panejamentos, construindo composições monumentais envoltas em extrema sensibilidade.

Mas meu tempo é este, e seria totalmente anacrônico estar com meus anseios fincados somente no passado. Portanto da mesma forma sou apaixonado por David Hockney, Botero, Lucian Freud e João Câmara (entre tantos outros), principalmente pela forma com que suas pinturas discursam sobre o cotidiano e nele inserem a figura humana plena, com um vigor extremo, com desejos e pecados a exalar de suas carnações.

Em toda minha produção fica bem clara a minha não pretensão em alçar os vôos ditos contemporâneos, como são entendidos (ou mal entendidos), por uma boa parte de críticos e artistas.
Interessa-me muito seguir meu destino de ser um artista de ofício, em um incansável trabalho de conhecer e dominar a carpintaria dos diversos materiais, com os quais posso realizar um trabalho que tem o desenho como base fundamental, mas que caminha pela pintura e pelo objeto, contextualizando neste fazer meu objeto de gozo, construindo uma forma de realidade que só a mim pertence, buscando reinserir nas pinturas o objeto perdido e administrar minhas perdas e meus lutos. Para isto sigo a preencher telas em branco, deixando ali minhas marcas e permitindo assim que mais tarde, sobre elas, repouse o olhar do espectador. Uma empatia que vai criar uma espécie de tempo suspenso, onde o que importa é o encontro afetivo, para que nelas outros possam depositar seu coração, reorganizando também suas perdas e vazios, mas agora no mundo das representações, das lembranças e das imagens.

Acredito que, por ser narrativo, me torno cada vez mais um contador de histórias.

- Autobiográficas ou não - mas o tempo todo perpassadas pelos elementos dominados pela paixão.

Normalmente pinto ouvindo óperas. Adoro as heroínas passionais, que se esvaem, que sangram, que fenecem por uma des (paixão). Quando os sons das árias convergem para meus pecados, quando a cor das telas converge para meus fantasmas e as saudades expandem, e ao sair pelos poros, faz com que pulsem as carnes e aí consigo chegar no que acho melhor de toda produção...

Desta forma, a figura humana sempre foi recorrente no meu trabalho. E a figura feminina, em especial, meu ícone preferido, para entabular conversas com personagens normalmente vítimas de seus desejos e amores, e na maioria dos casos, com seus desamores, quando realmente se faz necessário um longo trabalho, para transformar a melancolia em espaços domados e abertos para uma nova paixão. Sabendo guardar o que delas fica em recônditos que já não machucam - só doem – mas já sublimados e amainados pois que já são tornados em lembranças...

O trabalho com a figura humana traz a possibilidade de estabelecer uma relação com seu entorno, e no meu caso especificamente, sempre inserida em interiores – mergulhadas em sombras, conseguidas com inúmeras veladuras; ou inundadas de luz, vindas provavelmente da generosidade de um novo dia.

Na maioria das vezes, sua presença se insinua apenas como um pretexto para acontecer uma composição, propositalmente entumecida de objetos que coabitam o atelier: são tapetes, mesas, cadeiras, jarras, xícaras e bules, entre vários outros, que se repetem incansavelmente como a procura de uma sacralização dos elementos do cotidiano, privilegiando alguns particularmente e tornando-os objetos estéticos – passando de objetos banais a objetos de contemplação, deslocando por vezes a libido do frescor das carnes para outras superfícies.

A busca do belo, do vanitas, quase a indicar o lugar da relação do homem com sua própria morte. Há na contemplação uma procura de um gozo erotizado, tornando visível o que era comum, conseguindo prazer quando neles depositar seu olhar e ao mesmo tempo ser olhado pelas personagens do quadro.

Com a análise apresentada pelos alunos no Tempo de Crítica, acredito que vários dos aspectos narrados acima foram compreendidos e, o que é mais importante, em nossas conversas, acho que também foram tocados pela obra, o que fecha o círculo.

Para permitir este toque, se faz necessário que sejamos também um pouco poetas, deixar que as emoções sejam muito mais importantes que as verdades, e assim se deixar seduzir...
Com um grande abraço,

Attilio Colnago