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DA EXPERIÊNCIA À EMOÇÃO

ANA LUÍSA GUIMARÃES – PINTURAS
Espaço Cultural Sala Egydio Antônio Coser, Vitória-ES
11 de setembro a 10 de outubro de 2003

Desde de que iniciou sua carreira profissional dentro do campo artístico na década de 80, Ana Luisa estabeleceu uma relação com as cores em seus trabalhos. Mesmo nas pinturas figurativas geométricas do início, a força da cor era evidente. Nas telas repletas de símbolos, em figuras primitivistas, a cor estava lá, porém dando um sinal de que merecia uma maior atenção.

Ana Luisa, pareceu atentar para essa relação com a cor, a qual vinha se solidificando a cada trabalho e pedindo um maior desenvolvimento. E a partir do cruzamento das formas geométricas com o elemento cor, que a artista pareceu ter criado um espaço para expressar infinitas combinações cromáticas.

Não há como falar do trabalho de Ana Luisa sem identificar a influência de alguns aspectos introduzidos pela arte moderna. Os pintores que carregaram a sede modernista do século passado, da onde passaram a dar ênfase a planaridade pictórica e tirar proveito das limitações e problemas inerentes ao suporte planar, abriram espaço também para uma criação sem limites, muitas vezes interessada num estudo das relações dos elementos no plano, como formas, texturas, cores... o que gerava um aspecto quase empírico no fazer artístico. No entanto, inúmeros artistas e vários movimentos artísticos deixaram para a história da arte, a evidência de que, na relação do trabalho criativo com o artista, construíam-se obras carregadas de expressão cada vez mais pessoais e emotivas.

O pintor americano Jackson Pollock dizia que sua pintura era “auto-conhecimento”. Ergueram também, a bandeira da expressividade, os artistas brasileiros da arte Neo-concreta, que buscavam o rompimento da visão racionista e pragmática do movimento Concreto, tentando reintroduzir a expressão no âmbito da arte, buscando dessa forma resgatar a subjetividade na criação. Tentaram fazer o que já era óbvio para muitos artistas, mas que outros insistiam em negar.

Quando se observa a trajetória de Ana Luisa, pode-se correr o risco de cair num formalismo que identifica um trabalho meramente baseado no interesse de pintar o plano, em um ofício aparentemente concentrado nas relações cromáticas com as formas ora geométricas, ora num gestual mais livre. No entanto, indo além dos aspectos meramente formais de suas obras, encontra-se uma rica e extensa complexidade aspectos emocionais e sensoriais. O ato de unir, separar, combinar, borrar cores e formas, vem do sensível, num envolvimento profundo na ação de pintar. Portanto falar do trabalho de Ana Luisa é também falar da riqueza da arte enquanto expressão humana de em transformar o emocional em tangível.

Em seus trabalhos, especialmente do início dos anos 90, revelam a influência do Sumiê, técnica japonesa de pintura, dá onde a artista adquiriu segurança do gesto. A partir dessas obras, nota-se a evidente influência da pintura do artista russo Mark Rothko, o qual participou nas décadas de 40 e 50 nos Estado Unidos, do momento criativo e de crescimento para a arte abstrata americana. Ana Luisa a partir de uma afinidade com as obras de Rothko, transpõe para suas telas aspectos comuns à obra do artista, como os campos de cor, as bordas imprecisas dos quadrados e retângulos e as grandes dimensões das telas, dentro de uma expressão própria, da onde Ana Luisa mesclava o gestual delicado adquirido a partir da experiência com o Sumiê, com variadas combinações de cores e formas. O gesto repleto de leveza, fluido, que gerava transparências em sobreposições de cores, sempre deixava a marca do pincel ou do rolo, característica que a artista imprimiria na maioria de seus trabalhos.

O trabalho atual exibe a segurança da artista em sua trajetória com a cor. É como se Ana Luisa, alcançasse a essência que suas obras exigiam. Transpõe para telas novamente, o geométrico dos campos quadrados e retangulares, a marca evidente da pincelada, as combinações cromáticas. Tudo está ali, mas a força da cor extrapola quaisquer desses elementos. A artista foi além, imprime uma visualidade cromática repleta de luz. Suas combinações e a escolha tonal das cores, acabam por dar as campos de cor uma luz própria.

Isso se dá pela construção dos campos de cor na busca de contrastes em diferenças tonais entre cores frias e quentes.
Soma-se a experiência da artista, podemos assim dizer, empírica-sentimental, à experiência sensorial do espectador, o qual sente a mistura das cores não somente no plano das pinturas, mas na saturação das mesmas no mecanismo do olhar. Percorre-se caminhos onde se vê profundidade, planaridade, atração, repulsão, sombra e luz. São contrários que revelam a pluralidade das combinações formais e cromáticas. Há laranjas que afundam num lilás, há amarelos ofuscados pelo branco, a desequilíbrio, tensão e espaços vazios... e o olhar fica encarregado de completá-los.

Os trabalhos, necessitam da observação, sem isso não há como senti-los. A partir daí, acabam por revelar mais um instante de descobertas, outrora perdido. São um convite a capacidade inata do homem para entender as coisas através do olhar, o qual anda meio adormecido na frenética vida atual. Ana Luisa, já em trabalhos anteriores, num retorno ao figurativo, se propôs a retratar figuras solitárias, em ambientes hostis, como num congelamento dos flashs das imagens do nosso cotidiano urbano. Essas obras são interessantes, pois concentram o olhar para aquilo que é passageiro, em figuras outrora, insensíveis e distantes de nós. Já eram um sinal de que suas obras precisavam de um momento especial de observação.

Combinando cores, abrindo espaços, completando outros, imprimindo luz na matéria, Ana Luisa oferece aos nossos sentidos um trabalho repleto de força e maturidade, transpõe para o plano, e muito bem, aquilo que é tão comum a nós, mas com uma densa carga emocional e sensorial: a cor.

Juliana de Souza Silva
julianadess@bol.com.br